Nem todo mundo que nascer nos Estados Unidos terá direito à cidadania norte-americana. É o que diz uma das ordens executivas, decretos com força de lei e de aplicação imediata, assinadas por Donald Trump quando empossado presidente. A ordem é de que esse “privilégio” seja barrado para filhos de imigrantes ilegais e até pessoas em situação legal, mas com permanência temporária, como visitantes com visto de estudante, trabalho ou turismo. No entanto, a canetada do republicano não tem caminho livre para se concretizar e, segundo avaliam especialistas ouvidos pelo Terra, essa questão pode gerar a primeira crise do governo trumpista.
Na terça-feira, 21, procuradores-gerais de 18 estados americanos entraram na Justiça contra o decreto de Trump, contestando que esse é um direito garantido na Constituição. “Significa que existirá resistência, que não é que o Trump vai aprovar tudo na canetada”, pontua Rodrigo Amaral, professor de Relações Internacionais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele avalia que pode haver uma longa batalha jurídica em torno desse assunto, e que o sucesso dessa ordem executiva, sua validação e realização está ainda longe de ser certo.
Com relação ao decreto que quer acabar com a concessão automática de cidadania para imigrantes com visto temporário ou ilegais, Rodrigo Amaral diz que a grande inquietação é como a sociedade norte-americana reagirá a esse tipo de decisão. “Porque muitos dos antepassados, inclusive os próprios antepassados de Trump, migraram para os Estados Unidos. Estados Unidos é um país formado por imigrantes. Muitos dos quais migraram para uma situação irregular tiveram seus filhos e seus filhos foram regularizados pela lei norte-americana”, relembra.
No documento assinado por Trump na segunda-feira, dia 20, após sua posse, é descrito que “o privilégio da cidadania dos Estados Unidos é um presente inestimável e profundo” e que esse “privilégio não se estende automaticamente a pessoas nascidas nos Estados Unidos”. Com isso, passa a ser considerado como política que não sejam emitidos documentos reconhecendo a cidadania norte-americana para pessoas quando a mãe dessa pessoa estava ilegalmente presente nos Estados Unidos e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da pessoa; e quando a presença da mãe dessa pessoa nos Estados Unidos no momento do nascimento da pessoa era legal, mas temporária (como visitantes com visto de estudante, trabalho ou turista) e o pai não era cidadão dos Estados Unidos ou residente permanente legal no momento do nascimento da pessoa.
O discurso de Trump é de deportação em massa –e suas primeiras ações como presidente reafirmam sua posição anti-imigração. Ao Terra, Arthur Murta, professor de Relações Internacionais da PUC-SP, alerta que estudos indicam que quando o país não garante mecanismos legais ou nenhuma previsibilidade normativa para que o imigrante consiga estar em situação regular, ele é mais explorado, vai para o que chamou de “sub do sub emprego” e vai sentir não ter direitos naquele país, “porque, de fato, não vai ter”.
Além disso, sobre a questão do fim da concessão automática da cidadania para todos nascidos nos Estados Unidos, ainda não há muitos detalhes sobre o que pode vir a acontecer, exatamente, com esses futuros bebês que podem ter o direito barrado. Arthur explica que esse cenário abre espaço para o surgimento de pessoas apátridas, sem nação, sem documentos. “O que seria também um problema global. A gente está aí numa luta há décadas, o Acnur [Agência da ONU para Refugiados] e outras agências da ONU em fazer com que a apatridia deixe de existir, porque é um absurdo que as pessoas não possam acessar o básico do básico simplesmente porque nenhum país emite documento para elas”, pontua.