Dourados, 17 de Julho de 2025

Violência contra médicos aumenta 68% em dez anos; enfermeiros também são vítimas
Violência contra médicos aumenta 68% em dez anos; enfermeiros também são vítimas
Violência contra médicos aumenta 68% em dez anos; enfermeiros também são vítimas

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“Meu marido falou: um dia eu vou buscar o seu corpo no seu trabalho“, desabafa Karina Valverde, de 45 anos, técnica de enfermagem agredida pela acompanhante de uma paciente em um hospital na zona oeste de São Paulo.

O episódio ocorreu quando ela e uma colega tentaram organizar o fluxo de acompanhantes dentro da sala de medicação. Após uma discussão, Karina foi agredida com arranhões, socos e tapas pela filha da paciente.

“Não tinha ninguém para me ajudar. O segurança é patrimonial, não interfere nesses tipos de caso. A médica do plantão também havia sido agredida dias antes”, conta.

A história de Karina é mais uma entre milhares que se multiplicam em consultórios, prontos-socorros e unidades básicas de saúde em todo o Brasil. A violência contra profissionais da saúde cresceu exponencialmente na última década.

Casos de violência contra médicos aumentaram 68% em dez anos, segundo levantamento do Conselho Federal de Medicina (CFM) obtido pelo g1. Só em 2024, foram registrados 4.562 boletins de ocorrência, o maior número da série histórica. Isso significa que 12 médicos são agredidos por dia no país.

Enfermeiros também são vítimas: um levantamento realizado em 2023 pelo Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) revelou que 80% dos profissionais de enfermagem no estado já foram vítimas de agressões no ambiente de trabalho. No Distrito Federal, outra pesquisa aponta que 82,7% dos enfermeiros ou técnicos já sofreram violência física enquanto trabalhavam.

O caso de Karina aconteceu em maio e ela está afastada do trabalho desde então, com síndrome do pânico e ansiedade. “Volto [de licença] na próxima semana e já estou ansiosa. De tanto pânico e ansiedade, tive alopecia, meu cabelo caiu todo. Faço tratamento psicológico, mas sigo muito assustada.”

“Todo plantão é assim: trabalhamos sob ameaça. Dizem que atendemos com ‘cara feia’, mas é medo mesmo. Medo de morrer“, diz Karina. Concursada, ela está afastada de dois empregos devido aos ferimentos e abalo emocional. “Meu filho me viu chegar em casa e chorou tanto… Dizia: ‘não acredito que a senhora foi trabalhar e voltou desse jeito’.”

A médica Júlia Alves*, que pediu para não ser identificada, atua em um pronto-socorro infantil em Guarapari, Espírito Santo. Ela diz que a exaustão emocional virou rotina. “As agressões verbais são diárias e normalizadas”, conta. Em um dos plantões, ela levou um soco no rosto de uma mãe que exigia atendimento imediato para o filho. Ela relata o mesmo problema de Karina: o segurança do local era só patrimonial. “Ele estava ao meu lado e não fez nada.”

Seguranças patrimoniais têm a função de proteger o patrimônio do hospital. Segundo o CFM, quem pode agir em casos de violência é a Guarda Civil Metropolitana (GCM) ou a polícia. Não há profissionais de segurança pública nas unidades de saúde.

Na maioria das vezes, os médicos agredidos optam por não denunciar. “Fiz boletim de ocorrência e exame de corpo de delito, mas escolhi não seguir com processo judicial. Seria um transtorno”, afirma Júlia.

Em Goiás, o médico Pablo Henrique de Araújo Leal, de 27 anos, foi agredido com socos pelo marido de uma paciente que morreu na Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Segundo a Polícia Militar, o suspeito acredita que o médico foi negligente ao atender a esposa dele e, consequentemente, permitiu que ela morresse.

Todos os entrevistados para esta reportagem consentem que há, pelo menos, uma agressão – verbal ou física – todos os dias no ambiente em que trabalham. “Já levei tapa no braço, tive que correr e me trancar em uma sala porque um pai queria me agredir”, relata Expedito Bezerra Barbosa Júnior, médico de um pronto-socorro infantil em São Paulo.

“O medo hoje é real. A gente trabalha com receio de ser o próximo a ser esfaqueado.” Expedito, que atua tanto em unidades públicas quanto privadas, chama atenção para o esgotamento estrutural do sistema. “Os bons profissionais não querem mais os plantões. A maioria dos hospitais públicos – e alguns privados – não tem recursos o suficiente para o paciente. Faltam médicos, falta estrutura”, ele diz.

O problema vai além da segurança física. Segundo o médico e diretor do Conselho Federal de Medicina (CFM), Estevam Rivello, os profissionais da saúde têm sido responsabilizados por deficiências estruturais do sistema. “Quando não há médicos suficientes, medicamentos ou exames, o profissional é culpado pela falha de gestão”, afirma.

A falta de triagem adequada, segurança especializada e infraestrutura agrava a situação. “A população está revoltada, com razão. Mas o alvo da raiva acaba sendo quem está na ponta”, diz Expedito.

A médica geriatra Juliana Arlati, 48, também coleciona episódios de violência. Em um dos casos, um acompanhante amassou a receita médica que ela havia acabado de entregar e a lançou contra o rosto dela. O motivo: ele não concordava com o diagnóstico dado à mãe, que havia acabado de sair de uma internação psiquiátrica. “Expliquei que o resultado do exame era compatível com alterações esperadas para a idade dela, mas ele queria ouvir que a mãe tinha demência. Quando não dei a resposta que ele esperava, fui agredida”, relata.

“A comunicação hoje amplifica os conflitos. Qualquer demora no atendimento vira roteiro para viralizar um vídeo.” A Associação Paulista de Medicina (APM) está preocupada com o aumento da violência. De acordo com o presidente da entidade, Antônio José Gonçalves, “os médicos estão sendo punidos por falhas no sistema. E isso não é justo. Decidimos reforçar o apoio jurídico aos médicos e médicas do Estado de São Paulo que são vítimas de violência, coação ou abusos”.

Para o diretor da APM, Marun David Cury, “o médico, infelizmente, paga por todas as mazelas do sistema, seja no âmbito público ou privado. O usuário acha que o profissional é o representante oficial de toda a cadeia de Saúde, quando, na realidade, ele é um mero prestador e acaba sendo responsabilizado por eventuais falhas de administração e de gestão. Isso é um absurdo e precisamos conscientizar a população”.

Segundo o levantamento do CFM, São Paulo lidera os casos de agressão a médicos: 832 BOs foram registrados no estado em 2024. O Paraná fica em segundo lugar, com 767 ocorrências. Minas Gerais é o terceiro mais violento, com 460 boletins de ocorrência só no ano passado. Quase metade das vítimas são mulheres. A maioria das agressões acontece em prontos-socorros e UPAs.

“Quando o médico é agredido, ele sai da assistência. E isso prejudica ainda mais o atendimento. A violência, nesse caso, vira um círculo vicioso. A população precisa entender que o médico não é o culpado pela má gestão”, reforça o diretor do CFM, Estevam Rivello.

Rivello alerta, ainda, que o número é subnotificado, uma vez que muitos profissionais da saúde não registram boletim de ocorrência. “Eu amo o que faço, mas ser desrespeitada assim dói. A gente vai cuidar da mãe de alguém, e volta para casa machucada”, diz a técnica de enfermagem Karina.

Em nota, o CFM diz que:

“Para tentar conter a escalada da violência, o CFM apoia o PL 6.749/16, que agrava penas para agressões contra médicos durante o trabalho. O projeto de lei foi aprovado na Câmara em maio de 2025 e seguiu para o Senado. A autarquia também articula a criação de delegacias especializadas em crimes contra profissionais da saúde e prepara uma resolução que obrigará os diretores técnicos a notificarem a polícia sempre que houver uma agressão.”

Fonte: Folha de Dourados

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